Geometria Inquieta

Ascânio MMM é um artista cuja obra reúne várias influências e questões centrais na arte brasileira e latino-americana dos últimos sessenta anos. A sua produção mantém uma enorme coerência interna em domínios como o construtivismo, arquitetura, verdade dos materiais, dialética entre projeto e execução, arte em espaços públicos, tridimensionalidade e composição planar.

Esta exposição mapeia o percurso trilhado por Ascânio MMM em sua carreira. A vontade da forma, inabalável a modismos, impulsionou o artista, com suas peças precisas e surpreendentes, na retomada de um ideal construtivo. Nesta rota, assim como seus antecessores neoconcretos, o uso contínuo da geometria não lhe aboliu o acaso nem a poesia.

Sua escultura permanente no jardim da Casa Roberto Marinho, exemplo de transparência cinética estimulante ao olhar, ganha nestes meses duas outras companheiras para celebrar a fusão entre arquitetura, obra de arte e a paisagem do jardim.

Por ocasião desta mostra Ascânio produziu uma peça em grande escala, Prisma 13, feita especialmente para o platô do jardim, no nível da ponte do curso do rio Carioca. O diálogo da escultura com a floresta é estabelecido através da transparência e sua escala permite um bom passeio visual nos diversos níveis do terreno. A leveza de seus grandes volumes vazados produz a magia de não estar, ainda que estando.

Nos salões da Casa, temos uma extensa mostra de todas as facetas de sua trajetória, com frases dos críticos e historiadores que acompanharam a obra deste artista carioca nascido em Fão, Portugal. Percorrer os espaços e ler os textos oferece uma compreensão clara dos caminhos e do ambiente cultural nos diversos momentos sociais do país. Aqui não apenas se celebra a permanência de sua poética em movimento, mas são também revisitadas as análises que sua obra suscitou em alguns dos principais pensadores da visualidade contemporânea brasileira.

No térreo da Casa, Ascânio empresta o seu olhar à escolha de peças da Coleção Roberto Marinho. Prossegue, assim, a tradição das individuais contemporâneas do Cosme Velho, nas quais os artistas convidados, além de exibir seus trabalhos, interagem e ressignificam obras do nosso acervo.

As peças de Ascânio reúnem otimismo, ceticismo bem-humorado e uma estética que não se envergonha da própria beleza. Esculturas, pinturas, desenhos, cruzamento de linguagens, testes de limite, objetos não identificados e astrolábios do presente. Uma espécie de arqueologia do futuro possível para o métier de um artista brasileiro construtivo.

Lauro Cavalcanti
Diretor Executivo
Casa Roberto Marinho